‘Lugar de Negro’ em 2015

Por Roque Ferreira, no JCNet

“O racismo e a discriminação racial resultavam da competição só existente no capitalismo, no sentido de que só a partir da concorrência em que tal sistema viceja é que veremos surgir a discriminação racial e o racismo sob sua formulação moderna” – Carlos Hasenbalg -1979. Três anos depois, em 1982, Carlos Hasenbalg e Lélia Gonzáles publicaram o livro ‘Lugar de Negro’, abordando o racismo e os problemas dele decorrentes, em particular a ideologia corrente de que negros e negras deveriam ocupar os espaços e as funções mais desvalorizados possíveis, não podendo do ter acesso aos espaços historicamente reservados à minoria elitizada da população integrante da classe dominante e branca.

Trinta e três anos depois, o texto preserva toda sua atualidade, o que pode ser constado pelos fatos que ocorreram no último dia 24/07, com as pichações racistas no banheiro masculino da Faac-Unesp Bauru, com agressões dirigidas a alunas e alunos negros, e também ao professor Juarez Xavier, que é coordenador do Núcleo Negro para Pesquisa e Extensão (Nupe).

No espaço e território das universidades públicas que durante anos foi majoritariamente ocupado por integrantes da classe dominante (seja no corpo discente, como no docente) passa a se expressar de forma mais evidente o conflito de classes, na medida em que por conta das pressões e das lutas dos setores populares integrantes do proletariado e de sua parcela historicamente excluída, os negros, passam ter acesso, mesmo que com índices insignificantes, a estas instituições.

Erram aqueles que acreditam e explicam estas manifestações como sendo de “caráter particular, individual, de pessoas não inteligentes etc”. Não, esta postura integra os valores culturais e ideológicos que também sustentam os pilares das instituições que pouco ou nada fazem para dar uma contribuição positiva para mudar radicalmente esta ordem. Ao contrário, a maioria delas as sustenta mesmo que de forma dissimulada, concorrendo para a proliferação de posturas reacionárias, racistas e discriminatórias

Para os que persistem em dizer que a luta contra o racismo não tem nenhuma relação com a questão de classe, este e outros exemplos mostram exatamente o contrário. Onde é possível (universidades, empresas, na cultura), a burguesia procura incentivar o racismo, a divisão e ódio racial, práticas racistas, com o fim de disfarçar a exploração e a luta de classes.

Sim, é verdade que os atos racistas ultrapassam a questão de classe, e também as “negras e negros” que adentram nestes territórios e espaços privilegiados, como por exemplo o da “elite cultural e do conhecimento”, não estão blindados contra o racismo, e sejam identificados como pessoas que estão exercendo atividades que historicamente são reservadas para a classe dominante, majoritariamente branca.

Nas relações cotidianas, a população negra e pobre convive diariamente com a exclusão e o racismo que a justifica. Na medida em que se aprofundam as políticas de austeridade que atacam direitos mínimos da classe trabalhadora, que os recursos públicos como os da educação, saúde, habitação, saneamento são retirados do orçamento do Estado e são canalizados para pagamentos dos juros da dívida pública, existe uma piora considerável nas relações de existência, aprofundamento da miséria e da desesperança.

Aí então entra o Estado com todas as suas instituições com o objetivo de manter os negros e os pobres confinados em determinados territórios e espaços urbanos, se utilizando de seu aparato repressivo para fazer a assepsia social e racial, e os alvos prioritários são a juventude negra, o que se materializa agora com a PEC 171 que reduz a maioridade penal.

É preciso que a maioria da população trabalhadora e a juventude, majoritariamente composta de negros, rompa com a ilusão de acreditar que o seu “destino será diferente numa sociedade de classes, centrada na exploração, e numa suposta humanização do capitalismo”. Este sistema não tem mais nada a oferecer à humanidade, a não ser a barbárie e a degradação do modo de vida.

Denunciar e combater o racismo é uma tarefa cotidiana, e deve estar combinada com a explicação paciente de que é necessário destruir este sistema em cujo ventre são geradas todas as formas de exploração e segregação, e isso se chama luta de classes. Devemos dizer de forma clara para os racistas que estão na Faac-Unesp, e espalhados por este vasto território, que não recuaremos.

O autor é vereador e Membro da Direção Nacional do Movimento Negro Socialista.

Destaque: Kara Walker: Auntie Walker’s Wall Sampler for Civilians (detail), 2013.

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