“O que está em jogo é a disputa de concepção de mundo”

Ruan para gartic.me/3qqJ
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A região Nordeste chega a concentrar cerca de 50% do campesinato do país. É sob esta região que o professor da Universidade do Ceará e colaborador da CPT no estado, José Levi Sampaio, analisa os desafios da luta pela terra. Em entrevista à Comissão Pastoral da Terra – Regional NE II, durante o II seminário nacional do Laboratório de Estudos sobre Espaço e Cultura, realizado entre os dias 27 a 30 de setembro, na UFPE, o professor ressalta que “para resolver a questão agrária, nós precisamos, além da Reforma Agrária, fortalecer os processos culturais, dentre eles, os saberes locais, entendendo como se constroem o conhecimento da realidade das comunidades”.

Neste contexto, o professor afirma a importância de que as organizações e movimentos sociais aprofundem a discussão sobre outros elementos, como a questão da água e da luta pelos “direito ao trabalho, à cidadania, direito de participar, interferir, de agir politicamente para que os cidadãos envolvidos em todas essas lutas de que estamos falando sejam cada vez mais fortes”. E finaliza: “Temos dois mundos em disputa constante e ininterrupta e nós precisamos fortalecer aqueles que estão buscando, não os recursos como forma de enriquecimento, de ampliação da riqueza, mas a melhoria da qualidade de vida, da saúde, da educação, da cultura.”
Confira abaixo a entrevista:


CPT NE II – O Nordeste é a região do pais que concentra cerca de 50% do campesinato do país. Como o senhor vê a questão da luta pela terra, pela Reforma Agrária nesta região, considerando também os outros tantos elementos que não apenas a conquista pela terra, como a educação do campo, a cultura camponesa etc.?

José Levi – Quando falamos da questão agrária vem de imediato em nossa cabeça a Reforma Agrária. A Reforma Agrária é um dos pontos centrais da questão agrária nacional. Mas para resolver essa problemática, nós precisamos, além da Reforma Agrária, fortalecer os processos culturais, dentre eles, os saberes locais, entendendo como se constroem o conhecimento da realidade das comunidades. Ao mesmo tempo, também precisamos fortalecer os processos de educação formal, que ela venha com outro caráter, na perspectiva de educação do campo. Precisamos valorizar o que existe e criar novos valores, porque não somos estáticos no tempo, a sociedade muda, a comunidade muda, as tecnologias mudam e precisamos acompanhar esses novos processos, com nova mentalidade. Temos que interferir nos processos técnicos, porque as técnicas têm o poder de interferir nos processos produtivos e geram hoje uma produtividade voltada para o mercado.

Os que fortalecem a luta pela terra defendem que a técnica seja voltada para atender as necessidades básicas da Soberania Alimentar da população, não só para comunidade em si, mas para o mundo. É nesta perspectiva que a Reforma Agrária deve vir. Além da Terra, precisamos também aprofundar a discussão sobre outros elementos, como a água. Sem a água não podemos produzir nada, não teremos vida. A biodiversidade sem água não existe, precisamos discutir o direito ao acesso à água e garanti-la para todas as comunidades. Outra luta que precisamos enfrentar é a luta pelos Direitos. Direito ao trabalho, à cidadania, direito de participar, interferir, de agir politicamente para que os cidadãos envolvidos em todas essas lutas de que estamos falando sejam cada vez mais fortes. Se nós não tivermos esse conjunto de forças atuando não teremos a Reforma Agrária.

Feito essas colocações, verificamos que no Nordeste, a luta tem sido continua, tanto na CPT, quanto em outras organizações que contribuem com os movimentos sociais que atuam na região. Sendo que estes, por vezes, ocorrem e atuam de forma fragmentada, dando a impressão de fragilidade, no entanto, as redes sociais na atualidade conseguem fazer boa interação entre as diversas manifestações na região. Caba salientar que a unidade das lutas regionais necessita de maior costura política. Vejo, portanto que a Reforma Agrária no Nordeste e outras regiões do país não se dará apenas distribuído a terra concentrada, como afirmamos acima.

CPT NE II – O senhor não acha que isso está muito mais claro agora do que há certo tempo atrás? Em muitos momentos a luta pela terra, a questão do direito à terra foi vista apenas pelo fator econômico, da produção. Os trabalhadores e trabalhadoras, sobretudo no Nordeste, ensinaram a ver a terra com outro olhar, não é o olhar apenas econômico…

José Levi – A realidade é muito rica e o convívio, o relacionamento que vamos estabelecendo com as comunidades, na troca de saberes, nos faz perceber o quanto temos que fortalecer a perspectiva de que as frentes de luta nascem é no seio dos trabalhadores e das trabalhadoras. Nascem, sobretudo, dos que se encontram no campo, porque são aqueles que não têm, que lutam e necessitam da Terra, Água, de Direitos. São também novos elementos, conceitos, lutas que estão aparecendo e temos que dar conta deles, como  o meio ambiente, que está constantemente em pauta na atualidade, a questão da transgenia, o próprio conceito da agroecologia, que surge recentemente no seio da questão agrária e que aparece agora politicamente definido como uma frente de luta, principalmente pela questão da Soberania Alimentar.

CPT NE II – Então é esta disputa de lógica de conceber o campo que se situa a questão agrária. De um lado o território do capital que expropria tudo, tanto as pessoas quanto a terra e os recursos naturais. De outro lado, tem um outra forma de vida que é oposto a lógica do capital…

José Levi – É a disputa de concepção de mundo, de como viver no mundo, de como utilizar seus recursos. Temos esses dois mundos em disputa constante e ininterrupta e nós precisamos fortalecer aqueles que estão buscando, não os recursos como forma de enriquecimento, de ampliação da riqueza, mas a melhoria da qualidade de vida, da saúde, da educação, da cultura. Valorizando e fortalecendo aquelas permanências culturais que estão na ativa no campo, para que venham com mais força, se contrapondo ao modelo dominante que é   o do agronegócio.

Entrevista realizada pela Comissão Pastoral da Terra – Regional Nordeste II

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